Essa semana, estava indo para Natal resolver algumas coisas quando tive de subir o viaduto do quarto centenário para pegar a Prudente de Morais. Ao olhar pela janela do carro, vi o terreno onde antes ficava o estádio Machadão, ou como diz um grande cronista esportivo de nossa capital, o poema de concreto armado da Lagoa Nova, e senti como se uma parte de minha história, como cidadão natalense, tivesse ido ao chão juntamente com a praça de esportes.
Muitos falam que sentimentos são extremamente pessoais, íntimos e que somente o próprio indivíduo conhece, mas naquelas arquibancadas ocorria um aglutinamento desses sentimentos. Lá, eu chorei, de alegria e tristeza, me zanguei, com meu próprio time ou com o juiz, me conformei, me revoltei, como acontece em todos os momentos da vida mas lá, no poema de concreto, milhares de pessoas compartilhavam desses mesmos sentimentos, em uma espécie de catarse coletiva. Qual o torcedor natalense, seja americano ou abcdista, na faixa dos 30 anos de idade, que nunca pisou no Machadão? Qual desses não tem pelo menos uma história para contar?
Pela teoria literária, um texto poético tem como uma de suas características suscitar emoção, e isso sobrava nos dias de jogo, fosse o clássico rei, jogos decisivos do estdual potiguar ou das séries A,B e C do brasileirão. Ir ao Machadão implicava em todo um ritual: Chamar uns amigos, reunir-se na bilheteria, resenha antes do jogo, vibração durante o mesmo, e ao final, a volta para casa regada aos comentários finais, naquelas vozes radiofônicas tão conhecidas pelos torcedores de radinho de pilha. Era o momento onde se colocava para fora tudo aquilo que sentiu durante a semana, na forma de gritos, abraços e xingamentos.
Minha infância e adolescência foi nessa montanha russa emocional que era assistir a um jogo no Machadão. Lá fiz amizades, reencontrei outras, vibrei com o América, chorei também, levei namoradas, inclusive a que hoje é minha esposa, e levei meu primeiro filho. Parte da história de minha vida, especialmente infância e adolescência, estava escrita, marcada naquelas arquibancadas. Assim como eu, milhares de outros natalenses podem falar o mesmo ou coisas bem parecidas. E tudo isso foi destruído por um evento onde pouquíssimos de nós teremos condições de ver algum jogo.
Quando formos contar aos nossos filhos sobre essas histórias, seremos como professores de história antiga, falando sobre coisas que não existem mais e rezando para que nossos ouvintes consigam abstrair e construir uma imagem mental do que está sendo dito. Claro, um outro estádio será construído, mas nunca será um poema, nunca terá a carga emocional do outro por uma simples razão: Após a copa, quem irá frequentá-lo?
O Abc já tem seu estádio há algum tempo, e já não utilizavava o estádio municipal; América e Alecrim, pressionados pela circunstância, tomaram suas providências e arranjaram outras casas. Jogam em Goianinha e o primeiro já começou o projeto de sua casa própria, novo palco para ser impregnado de emoções e o Alecrim deve continuar em Goianinha, já que o Nazarenão está se adequando para receber grandes jogos.
Os torcedores que surgem agora nem sentirão, afinal sua história começa agora. Somos nós, que passamos dos trinta, que olhamos para aquele espaço de construção e enxergamos uma ferida no coração de nossa cidade. Portanto, a Arena das Dunas vai ter um único propósito após os quatro jogos destinados a ela na copa do mundo de 2014: Um monumento ocioso às histórias de vida de milhares de natalenses apagadas em prol de um evento passageiro.
Passo todos os dias pelas sobras/sombras do Machadão, e as primeiras lembranças são os inícios dos jogos aos quais assisti... a agitação da frasqueira e o tremor (era o que eu mais gostava) do estádio. Agora, espero que um novo machadão seja erguido...na sombra da saudade...
ResponderExcluiruma quase vizinha dos falecidos machadão e machadinho